Pés dos "hobbits" eram excepcionalmente longos, indicando que pertenciam a uma população primitiva distinta dos humanos modernos
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07 de maio de 2009
Foto: The New York Times
JOHN NOBLE WILFORD
Estados Unidos
Os hominídeos extintos conhecidos popularmente como hobbits podem ter apresentado corpos e cérebros pequenos, mas seus pés eram excepcionalmente longos, bem como chatos. Os cientistas, ao concluir a primeira análise detalhada dos ossos dos pés desses hominídeos, afirmam que as constatações sustentam a controvertida interpretação de que esses indivíduos pertenciam a uma população primitiva distinta dos humanos modernos, que ainda vivia há apenas 17 mil anos na ilha de Flores, Indonésia.
Os novos indícios anatômicos, divulgados em artigo publicado nesta quinta-feira pela revista Nature, provavelmente não resolverão o mistério sobre o lugar exato da espécie - provisoriamente catalogada como Homo floresiensis - na escala da evolução humana. Até mesmo os pesquisadores responsáveis pelas recentes descobertas reconhecem o fato, e alguns de seus críticos alegam que o crânio e ossos localizados são nada mais que restos de modernos pigmeus humanos deformados por problemas genéticos ou doenças.
A controvérsia irrompeu pouco depois que foi anunciada a descoberta do H. floresiensis, em 2004. O único crânio que foi encontrado era incomumente pequeno, indicando que o cérebro da criatura não era maior que o de um chimpanzé. Esse crânio coroava um esqueleto de cerca de um metro de altura.
Agora, o exame dos membros inferiores e, especialmente, de um pé esquerdo quase completo e partes de um pé direito, reportam os pesquisadores, demonstra que a espécie era capaz de caminhar ereta, como os demais hominídeos conhecidos. Os espécimes estão dotados de cinco dedos dos pés, como em outros primatas, mas o dedão é atrofiado, e mais parecido com o de um chimpanzé.
Ainda mais estranho é o tamanho dos pés - com um comprimento superior a 18 cm e desproporcionais com relação aos curtos membros inferiores. O desequilíbrio constatado invoca a fisiologia de alguns macacos africanos, mas jamais havia sido identificado em hominídeos, anteriormente.
E há também a questão dos pés chatos. Os seres humanos ocasionalmente apresentam arcos ósseos caídos e pés chatos, mas os cientistas apontam para o fato de que não se trata de um pé humano. O osso navicular, que ajuda a formar o arco dos pés modernos, é especialmente primitivo nos exemplares sob estudo, e se assemelha mais ao dos grandes símios. Sem um arco forte - ou seja, se tiverem pés chatos -, os hominídeos não teriam a flexibilidade necessária a correr de maneira eficiente. Seriam capazes de andar, mas não de correr como os humanos.
Ao avaliar esses novos indícios, a equipe de pesquisa liderada por William Jungers, paleoantropologista do Centro Médico Stony Brook, em Long Island, concluiu que o "pé do H. floresiensis exibe uma ampla gama de características primitivas que não são vistas em seres humanos modernos de qualquer porte".
A equipe alega que é improvável que todos esses traços, da cabeça aos pés, incluindo os cérebros pequenos e os pulsos e ombros primitivos, reportados em estudos anteriores, "sejam simplesmente uma consequência de casos de nanismo ilhéu".
Jungers e seus colegas apontaram para a possibilidade de que os ancestrais da espécie não fossem o Homo erectus, como se presumia originalmente. O H. erectus é conhecido como o primeiro hominídeo a deixar a África e chegar à Ásia. Em um simpósio realizado duas semanas atrás, diversos cientistas expressaram simpatia pela posição de que os chamados hobbits tenham emergido de outro ancestral dos hominídeos, mais primitivo.
Em comentário publicado em companhia do artigo, Daniel Lieberman, paleoantropologista da Universidade Harvard, que não participou do estudo, apontou que o ceticismo inicial quanto a considerar o hominídeo como espécie distinta era compreensível. "Em termos gerais, muitos cientistas (entre os quais me incluo) decidiram esperar para ver, à espera de novas provas sobre a natureza e forma do H. floresiensis", ele afirmou.
"E agora surgiram algumas provas". Lieberman, que se especializa em estudos sobre a locomoção dos hominídeos, disse que o pé primitivo oferecia um "modelo fascinante" para um hominídeo não moderno que "evoluiu para caminhar de maneira efetiva antes que a seleção natural que resultou em capacidade de corrida prolongada tivesse ocorrido na evolução humana".
E isso pode ter acontecido ainda antes do H. erectus, a julgar por pegadas de um H. erectus com pé aparentemente humano, encontradas da África. Alguns cientistas especulam que o ancestral do H. floresiensispode ter evoluído de um H. erectus anterior e menor, ou do enigmático Homo habilis, ou até mesmo de um genus anterior ao Homo.
Em artigo correlato publicado pela Nature, Eleanor Weston e outros pesquisadores do Museu de História Natural de Londres sugeriram que o crânio do H. floresiensis poderia ser o de um H. erectus que se tornou anão por viver em isolamento na ilha. A idéia se baseia em um estudo sobre hipopótamos anões extintos que viveram em Madagascar. Os cérebros desses animais eram 30% menores do que seria de esperar caso a escala de seu ancestral do continente africano fosse reduzida na proporção devida.
Robert Eckhardt, biólogo evolutivo na Universidade Estadual da Pensilvânia, continua cético, e afirmou em mensagem de e-mail que os proponentes dessa interpretação "ignoraram, desconsideraram, descontaram ou avaliaram indevidamente a extensão das variações normais e anormais na estrutura morfológica e função biomecânica que existem em membros de nossa própria espécie, a Homo sapiens".
William Harcourt-Smith, paleoantropologista no Museu Americano de História Natural e co-autor do artigo para a Nature", declarou em entrevista que "tomamos muito cuidado ao considerar variáveis dentro de uma espécie e possíveis patologias, mas esse pé de hobbit é uma nova prova forte de que eles não se assemelhavam a nós em nada".noticias.terra.com.br
Tradução: Paulo Migliacci
The New York Times
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